Já imaginou ser o roteirista da sua série favorita, criando cenas inéditas com seus personagens prediletos? A inteligência artificial está tornando isso possível, e a nova aposta de um veterano da realidade virtual quer te colocar no comando.
Edward Saatchi, um dos fundadores da Oculus Story Studio, sabe bem como é difícil emplacar tecnologias revolucionárias. Após o estúdio fechar as portas em 2017, Saatchi não desistiu e agora aposta suas fichas na Showrunner, uma plataforma de IA generativa que promete ser a “Netflix de IA”, com um recente investimento pesado da Amazon.
Diferente de outras empresas focadas em usar IA nos bastidores, a Showrunner, criada por Saatchi e sua equipe no estúdio Fable, quer colocar o poder nas mãos do público. A ideia é que você use a plataforma para gerar conteúdo sob medida, do jeito que você sempre quis ver.
Atualmente, a Showrunner funciona em um servidor do Discord, onde os usuários podem criar vídeos animados curtos. Basta escolher personagens, estilos de arte e, claro, escrever os prompts que vão ditar o que os personagens dizem e como interagem com o cenário.
Imagine só: Elon Musk e Sam Altman batendo um papo sobre transformar a falta de moradia em um serviço de software em uma sala de descanso. A Showrunner cria um clipe que, com um toque de estranheza típico da IA, entrega algo próximo disso. Os vídeos seguem o estilo de animações originais da plataforma, como Exit Valley, um cruzamento bizarro entre Silicon Valley e Family Guy. As vozes, geradas por IA, tentam imitar as pessoas reais, mas a animação robótica deixa claro que a mágica vem das máquinas, não de artistas humanos.
Por enquanto, o serviço é gratuito, mas a Fable planeja cobrar entre US$10 e US$20 por mês no futuro. E, embora a Showrunner se limite ao seu próprio catálogo, estúdios como a Disney já demonstraram interesse em licenciar suas propriedades intelectuais para a plataforma. Será que teremos cenas inéditas de The Mandalorian criadas por fãs?
Uma nova era de entretenimento interativo?
Em uma entrevista recente, Saatchi admitiu ter sido arrogante em sua época na Oculus e que o fracasso da empresa o fez repensar o que os consumidores realmente querem do entretenimento. Para ele, a resposta está na IA generativa.
“Vocês não têm ideia do quão arrogantes nós éramos logo após a Meta adquirir a Oculus. Lembro-me de estar em reuniões em Hollywood para mostrar nossas ideias, e nós éramos tipo, ‘Vocês estão acabados; nós vamos dominar'”, disse Saatchi. “Mas nosso impacto líquido na indústria foi zero no final, e nossa receita de filmes de VR foi provavelmente de US$10.”
Para Saatchi, o problema da VR era manter os usuários em um limbo entre passividade e interatividade. Ele percebeu que essa alternância não funcionava e que era hora de algo mais dinâmico.
O interesse de Saatchi pela IA generativa surgiu de um problema técnico durante o desenvolvimento de uma adaptação em VR do livro infantil de Neil Gaiman, Wolves in the Walls (Lobos nas paredes, em tradução livre). A ideia era que a personagem Lucy pudesse conversar fluentemente com os jogadores, mas ela estava limitada a diálogos pré-definidos.
Essa barreira fez Saatchi pensar em como construir Lucy como um ser digital complexo, capaz de interações mais elaboradas. A experiência, embora limitada, o convenceu de que a IA generativa poderia ser a chave para um novo tipo de entretenimento.
“Transformamos Lucy em uma personagem com quem você pode conversar e fazer videochamadas”, disse Saatchi. “Mas o que percebemos rapidamente é que, se você quer que um personagem realmente viva – o que se tornou nosso grande objetivo – então você tem que construir uma simulação de seu mundo. Eles não podem ser apenas um cérebro em um frasco, como um personagem sozinho. Eles têm que ter uma família, eles têm que ter uma vida.”
A ideia de criar simulações – ambientes virtuais com regras específicas – para dar contexto aos personagens de IA levou a Showrunner a usar seu modelo SHOW-1 para produzir episódios não licenciados de South Park.
A Showrunner conseguiu replicar o estilo visual e as músicas de South Park, mas não o humor ácido e a química entre os personagens. Para Saatchi, o experimento demonstrou que a Showrunner poderia se tornar um serviço onde os usuários criariam seus próprios “shows”, cena a cena, com a ajuda da IA.
O futuro do entretenimento é interativo?
Saatchi imagina a Showrunner como a “Netflix de IA”, capaz de produzir algo comparável a The Simpsons, Euphoria ou Toy Story. Mas o grande atrativo, segundo ele, é a capacidade de criar entretenimento mais interativo do que filmes e séries tradicionais.
“Acreditamos que o Toy Story da IA não será um filme de animação barato, mas algo que pode ser jogado”, disse Saatchi. “A maioria das pessoas sente que a IA generativa é uma ferramenta para fazer o mesmo, mas mais barato, e estamos tentando dizer que é um novo tipo de mídia. O cinema não se tratava de economizar dinheiro para os donos de teatros; foi altamente disruptivo e levou anos para ser explorado como um meio. Sinto que a indústria está meio que cortando esse elemento exploratório com a IA generativa apenas enfiando-a em filmes.”
Quando questionado sobre o potencial da IA generativa para substituir empregos criativos, Saatchi defendeu que a Showrunner é uma plataforma para complementar o entretenimento tradicional, não para substituí-lo. Ele também ressaltou que a empresa trabalha com artistas e animadores humanos para desenvolver seus recursos visuais, pois “algo se perde sem isso”.
“Não acho que haja como disfarçar o fato de que a IA vai cortar empregos, mas é por isso que não estamos muito interessados no paradigma de VFX mais barato que a maioria das outras pessoas estão buscando”, explicou Saatchi. “Se tudo o que podemos fazer com uma tecnologia tão poderosa é apenas cortar empregos, qual foi o objetivo? Ninguém vai ao cinema para dizer: ‘Ouvi dizer que este era o Toy Story da IA. Eu realmente tenho que pegar meu ingresso porque é tão legal que eles gastaram tão pouco nisso’.”
Saatchi acredita que as pessoas estarão dispostas a pagar pela capacidade de gerar cenas baseadas em propriedades intelectuais licenciadas. A ideia é que a Showrunner faça parcerias com grandes estúdios como a Disney para desenvolver modelos que permitam aos usuários criar cenas com personagens de The Mandalorian, por exemplo.
“Nossa ideia seria que, em vez de as pessoas ficarem animadas com stormtroopers na Roma antiga, que é, tipo, um conceito barato, haveria um modelo de Star Wars que 700 pessoas desenvolveram sob a direção de Dave Filoni”, disse Saatchi. “Esses modelos teriam personagens reais e um mundo que poderia ser explorado através de prompts, e você também poderia inadvertidamente acionar cenas dentro desses mundos de uma forma que fizesse com que parecesse que você está descobrindo algo desconhecido.”
Saatchi descreve um sistema que transforma seus assinantes em funcionários não remunerados, trabalhando para os maiores estúdios de Hollywood. Os estúdios seriam donos de tudo gerado com os modelos da Showrunner, e os usuários teriam que pagar para usar o serviço.
Ele também mencionou a possibilidade de colaborar com criadores menores, que poderiam licenciar seus projetos para a Showrunner e receber uma parte da receita gerada pelas cenas criadas com seus modelos.
O modelo de negócios da Showrunner lembra o de plataformas como Roblox e Fortnite, onde os usuários criam seus próprios mapas e jogos, contribuindo para o sucesso das empresas. A diferença é que, enquanto esses jogos são gratuitos, a Fable quer cobrar pelo uso da Showrunner.
Se a Showrunner fosse capaz de criar mundos imaginativos e detalhados, a proposta de Saatchi não soaria tão duvidosa. Mas, no momento, parece ser mais uma tentativa de usar a IA para fazer algo que artistas humanos já fazem muito melhor.
E você, o que acha dessa ideia de ser um “content prompter” e criar suas próprias cenas com personagens famosos?
Fonte: The Verge